quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Gentileza

Pueril tentativa de tornar-se mais altivo. Mais lúcido. Mais livre. Sorveu aquela xícara de café amargo com as sobrancelhas curvadas em sinal de sacrifício. Com as pontas dos dedos úmidos, catou algumas pedrinhas de açúcar que brilhavam sobre o balcão de madeira e jogou-as ao chão, com displicência. Respirou fundo e sentiu as pálpebras assoladas por um peso não-habitual. Bocejou. Esfregou os olhos cansados e pediu a conta ao garçom. A televisão do bar comentava sobre a guerra. Os Estados Unidos talvez fossem intervir, como conciliadores do conflito. “– Para vender mais armas”. Comentou o garçom, quando lhe trazia um papel amassado sobre um pires de metal. Sem atentar para o valor ali estampado, Homero retirou umas moedas do bolso e despejou sobre o balcão. “– Está certo !” Sentenciou, enquanto se levantava. Ganhou a claridade da rua, sendo recepcionado por buzinas e motores de motocicletas, todas em polvorosa. Andou algumas quadras, por entre camelôs e pedintes. Chegou até a esquina com a famosa Avenida São José. Aquele predinho amarelo e velho, ao lado de uma casa azul. Era ali que ela morava. Passou pelo porteiro como se fosse um morador comum, entrou no elevador antigo de madeira, apertou o 4º andar, quando ouviu alguém gritar: “- Sobe! Boa tarde, como vai, tudo bem?”. Era uma senhora perfumada que voltava da feira, carregando um carrinho cheio de frutas e legumes. “Dia quente, não?”. Disse ele à velha. Que respondeu com um esbaforido por entre os dentes amarelos. Num leve tranco, o lento elevador parou e abriu-se a porta. Era o 4º andar. “Até logo”. Desceu ofegante, Homero apalpando a parede na busca tátil do interruptor, até que encontrou algo. “Din Don”. Ouviu-se o toque da campainha. Homero petrificou-se. Apertara a campainha, sem antes nem pensar no que iria dizer a ela. “Um momento”. Respondeu alguém. Abriu-se a porta. Um clarão invadiu o hall do elevador, cegando-lhe por completo. Era a empregada, acenando para que entrasse. “-Com licença”. Silibou ao entrar, num murmúrio de consoantes, enquanto observa a decoração rococó do apartamento, cheia de espelhos, quadros com pesadas molduras, tapetes sobre carpetes e bibelôs de vidro. “Estou aqui, Merinho!”, chamou-lhe a senhora, da sala de estar em que estava confortavelmente sentada, tomando um café. “- Boa tarde. Eu trouxe o combinado”. Disse Homero, colocando a pistola prateada sobre a mesa de vidro. Incomodada com a falta de discrição do amigo, Catarina, retirou a arma e escamoteou-a debaixo de uma almofada dourada no sofá. “Aceita um café, Homero? A Maria acabou de fazer.” “- Não, meu anjo, quero meu pagamento”. Retrucou com um sorriso simpático no rosto. Essa era a especialidade de Homero: pronunciar frases moles, com conteúdos ásperos, como se estivesse a flertar com uma colega de escola, em busca de cola na prova. Dona Catarina sorriu. Debruçou-se maliciosamente sobre a mesa de centro, deixando os fartos seios captarem os olhos de Homero. “-Vamos até meu quarto, para eu lhe dar o combinado?”. Sussurrou a ele com a sensualidade de velha meretriz.