quinta-feira, 26 de abril de 2007

Eclipse

Um alguém sem ninguém

preso a amarras e correntes

respira como claustrofóbico

e enxerga somente o que lhe convém.

Nos milhares de ônibus lotados

Nas filas intermináveis dos bancos

Nos elevadores suspensos nas alturas

Nas pistas de dança, onde sufoca suas agruras,

invade-lhe incontinenti

um silêncio arrasador.

Pela manhã,

move-se como foguete

a amarga ambição é o seu doce ópio

e o medo de errar é sua infértil semente.

Sonha em ter alguém

E dizer a ela belas cafonices:

‘meu mel é também seu

no céu do seu peito estou eu’

porém veda seus sentimentos agudos,

por medo de ofuscar o império da razão.

E de tanto sentir que não sente o mundo

teme que o silêncio que aturde seu coração

anoiteça a graça das coisas num segundo

Um prosaico eclipse de vida.

terça-feira, 24 de abril de 2007

Os Justiceiros de Hollywood

Logo no início do filme, o bem sucedido policial, que se encontra feliz, junto de sua bela família, composta por avós, tias, sobrinhos, linda mulher e o expressivo filho pequeno. Todos em torno de mesas de frutas, na ampla varanda de uma maravilhosa casa de praia. Algumas crianças brincam candidamente, com os pés descalços na areia alva. Os adultos bebem e conversam amenidades.

Quando menos se espera, homens de preto, carregando metralhadoras, granadas e pistolas de longo alcance, chegam numa caminhonete preta. Descem com a fome ávida e fria dos predadores. Sem anunciar a que vieram, adentram à casa e lançam tiros certeiros em um a um dos mais de trinta presentes, começando por uma distinta senhora septagenária, possivelmente mãe do “mocinho” e terminando, com o mórbido atropelamento da mulher e do filho do protagonista. Este, que resiste até o fim, é pego, espancado, metralhado e incendiado junto a um posto de gasolina, que explode, num show pirotécnico.

Todos mortos e destroçados. Não resta um.

Após assistir a essas cenas de pura carnificina, sangue e extermínio em massa até o mais inerme dos monges tibetanos sentiria, arrisco dizer, considerável revolta e até ódio dos “bandidos”.

Porém, como que feito de aço, o intrépido protagonista a tudo sobrevive e surge sadio e altivo de volta à cidade para vingar-se dos criminosos, ou, segundo ressalva do próprio personagem, para “impor uma punição, pois vingança é coisa contaminada por sentimentalismo...”.

Dito e feito, o protagonista derruba, um a um seus algozes, bem como parentes e filhos destes, com todos os requintes de crueldade que “tem direito”, com o apoio e a torcida de 90% dos telespectadores, que, imbuídos do ódio advindo da desgraça sofrida pelo “mocinho”, legitimam a matança, como se dissessem: “Isso mesmo, mate esses bandidos nojentos, eles merecem tudo de pior. Eu faria o mesmo !!”

Mas adiante, o protagonista, incutindo, ainda, mais a idéia de que pretende fazer justiça e não vingar-se, uma vez que a simples vingança não “apagaria as memórias tristes” que carrega, descobre-se um “Justiceiro”. Torna-se um super-herói obscuro, que por saber-se quase invencível enfrenta a todos, com o intuito de evitar o mal. Mas, como evitar o mal? Socorrendo as vítimas? Perguntariam os mais puritanos. Não, matando os “bandidos”, pois as vítimas já morreram. Ou, enfim, fazendo novas vítimas.

A certa altura, uma das personagens, tenta alertar o protagonista de que, se ele continuar nessa vida de matanças, pode acabar se tornando “um deles”. Mas, evidente, que àquela altura, já não há mais lado do bem ou do mal, ou seja, o “mocinho” já virou “bandido”, viciado ao ciclo de maldades a que adentrou vertiginosamente.

Esse ciclo de mortes e vinganças, que desnecessário lembrar fustiga a guerra no oriente médio a séculos, instiga a rivalidade entre coronéis nordestinos na briga entre famílias pela demarcação de terras, fomenta as cínicas intervenções dos EUA na “guerra contra o terror”, enfim, dita o ritmo dos desastres desde sempre. São atos de violência repetidos à exaustão, até perderem o sentido totalmente, a não ser, o de promover uma matança pior do que a que o inimigo lhe fez meses atrás.

E com esta guerra declarada do “mocinho” contra os bandidos, promovendo mortes das mais horríveis, sem qualquer finalidade a não ser “derrubar” todos que o fizeram sofrer, nosso protagonista do filme pensa estar próximo da Justiça. Habilidoso também com as palavras, nosso tétrico herói sabe que o motivo é o que menos interessa nessa matança, por isso, tenta mascarar sua vingança, como se estivesse a “fazer justiça”. E então muitos outros sofrerão a punição de sua Justiça, todos que o fizeram sofrer.

Talvez imbuído de idéias macabras como esta, um estudante sul-coreano residente em Virgínia, nos EUA, sufocado pelo preconceito dos colegas de faculdade, ofuscado pela beleza dos louros de olhos claros americanos, sentindo-se desprezado pela falta de popularidade, com as mulheres principalmente, percebendo-se excluído daquela sociedade, que ele julgava hipócrita e insensível; decidiu dar a essas pessoas a punição que “mereciam” por fazerem-no sofrer. “Não!”, diria ele, “também não era vingança, pois isso é coisa contaminada de sentimentalismo, mas apenas Justiça !”.

terça-feira, 17 de abril de 2007

O Cheiro do ralo

Assistam "O Cheiro do Ralo". No período pós-Central do Brasil, nosso cinema nacional parecia se focar em apenas dois temas. Ou o fime apresentava uma estética nordestina/retirante/vida severina em fimes como "Eu tu Eles", "O Auto da Compadecida", que foram seguidos por inúmeros filmes como "Casa de Areia" e outros mais, ou se focava na violência urbana. Antes e depois do estrondoso sucesso de "Cidade de Deus" tiveram demasiados filmes que retratavam ou glorificavam a violência urbana, o cotidiano violento e o submundo. A criminalidade urbana foi mostrada de todos os ângulos possíveis e imagináveis: de dentro e fora da cadeia, através do bandido e através do mocinho. Os filmes nacionais passaram a repetir a mesma fórmula que tinha dado certo em alguns filmes. Além é claro, dos horripilantes filmes no formato "novela em 2 horas" com atores globais e estórias romântico-cômicas. Os filmes brasileiros se tornaram enfadonhos. Começaram a perder de longe para o cinema argentino. Os filmes argentinos tinham temáticas mais universais e exploravam diferente possibilidades. Além de serem criativos, eram também muito bem feitos. "Nove rainhas", "Plata Quemada", "Clube da Lua" entre outros fizeram o cinema argentino se tornar mais interessante que o brasileiro. Porém tudo parece começar a mudar com "O Cheiro do Ralo". Uma produção simples, barata, porém extremamente bem-feita. Elenco e atuações primorosas. Um roteiro e uma direção extremamente bem feitos. Toques de comicidade, sarcasmo, crítica social e um realismo muito bem dosados. Passa da piada mais singela para uma reflexão sobre a alma humana sem descambar para o rídiculo. A capacidade de fazer piada com a escrotidão humana. Tomadas longas e piadas inteligentes e curtas. Mas principalmente uma temática universal com toques de brasilidade. Ou seja: think global, act locally. Finalmente após um tempo um filme brasileiro que merece ser visto Não percam. Aliás, "Cartola" também merece ser visto. Não tanto pela qualidade do documentário. O filme não é um primor. Mas vale o ingresso pela vida desse genial compositor. Talento como poucos dentro da música brasileira. Cartola cantando "O Mundo é um Moinho" para seu pai já vale o ingresso.

Doze Deuses

Nem o desígnio de doze deuses desastrados

terá o poder de desarmar

o desejo do nosso desnudo amar

Nem o desastre mais desordenado

Terá sucesso em nos desarticular

Ou, do nosso devaneio, nos desembriagar

Ninguém, nem o mais desumano dos diabos...

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Vis-a-vis

Vontade é como o vento que
desnuda as mentes e após
anuvia os pensamentos
lhes sufoca a voz

É assim.

Vis
a vis
com você
é uma vista linda
que permeia seu umbigo.
Desse jeito, só você, aqui comigo
não nos atinge maldade...

Me mostre toda essa incontida verdade,

Deixe
entoar aberta
a palavra inserta
nessas nossas vozes caladas.
Basta ouvir a entonação certa
e nossas orlas repousam alinhavadas,

Depois,
como uma turista
perde-se e me inunda a vista
pena que seja menos vinda do que ida
em seus olhos, que são úmidas iscas
deixo-me ir e a vida nos lida.

Poesia - Ricardinho

A morte para um ateu

A morte,
Fim de tudo
Começo do nada
Fim da única coisa que temos

Tudo se acaba
tudo termina
Para sempre
eternamente
num caminho sem volta
e sem existência

não há como escapar
não há o que fazer
o fim deste tormento
só nos leva ao nada

onde não existe consciência
O único sentido final para a vida é a morte
mas para a morte não há sentido nenhum
não há sentido, não há caminho
há apenas o não e o nada,
o nada

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Poder ter

Quero poder ter o tempo que quiser
O tempo para poder ter
Apenas o tempo para querer
O tempo para não fazer nada
Para poder fazer tudo que eu puder
Poder fazer o que quiser
O que quiser com meu próprio tempo

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Eu gostava de história e poesia
O mundo só me falava em lucro e desenvolvimento
Eu só falava em ócio e prazer
Só me respondiam sobre trabalho e produção

Eu queria apenas uma rede
Me exigiam responsabilidade
Eu só pensava em ficção
Eles me traziam responsabilidade

Eu só pedia um pouco de doçura
Só me entregaram o amargo
Já quis até um balão
O que me apareceu foi a velocidade

Já até acreditei em compreensão e amizade
O que existe é apenas competição
Claro que até pensei no pra sempre
Me quiseram mostrar as vantagens do curto prazo

Ainda só posso imaginar uma eterna infância
Não uma vida adulta só de descrença
Para afastar tudo de ruim
Só aquele doce sentimento que nunca se apagou

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Àquela que vai chegar

Te imagino como recortes
Recortes de tudo que vivi
Na certeza de que você virá
a ser diferente daquilo que eu quis

Já sem te conhecer
Posso te imaginar
Embora seu retrato
Seja justamente o que perdi

A sua tão longa e injustificável ausência
Irá se explicar
Com volumosos gestos
Com que irá me agraciar

Já sinto a sua pele e o seu sentido
Roubando minhas antigas memórias
Apagando meus antigos amores
Trazendo novos universos de ilusões

Claramente te vejo
Facilmente te crio
Somente na minha ilusão