sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Abala

De repente ferem o peito à bala
As coisas da vida são rápidas
Infeliz de quem nem se abala

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

23 de dezembro

Ele começa a desconfiar que tenha passado da dose. O bar ao seu redor mais parece uma ilusão ou uma cena de um filme alternativo. O foco se agita, as imagens estão foscas, as pessoas não o vêem. Tudo foge de sua mente, que nada capta. Novamente agora diante do espelho do banheiro. A pia é daquelas que ficam do lado de fora do banheiro e são usadas por homens e mulheres. Visivelmente pálido e vesgo ele se vê, por instantes no reflexo do espelho. Ouve risinhos e comentários maldosos. Aliás, de repente parece que a música do local voltou a tocar em altíssimo volume. É música eletrônica, labiríntica. Ao seu lado, uma mulher sorri, como se tentasse seduzir o espelho. Joga o cabelo e dá de costas, como quem toma um fôlego para mergulhar ao fundo do mar. O mergulho é a pista lotada e nauseante. Bochecha um cepacol para tentar aplacar o hálito de vodka. Volta para o filme “Trainspotting”. Pessoas dançando sozinhas, olhando através do outro. Parecem sentir um prazer oco em chacoalharem-se como se prestes a cair. O ar condicionado lambendo sua testa provoca um certo alívio. Ficar sentado não fez bem mesmo. Ainda mais com aquela barulheira da mesa ao lado. Para cortar o “marejado”, nada melhor do que saltar ao mar e balançar junto com as ondas. Surge um copo em sua mão. É água? Não, graças a Deus (ou ao Diabo) era vodka novamente, com bastante gelo e uma sodinha. A música está boa e parece que agora vem o refrão. Mas não. Música eletrônica é assim, um eterno quase clímax. Sem palavras, só o som do metal batendo debaixo d’água. Agora dentro do táxi, toca um samba-rock engraçado. Daqueles que emanam uma deprê de fim de noite. Ou seria apenas o começo? Toca para a balada, balbucia ao taxista, que responde com a sobrancelha erguida pelo retrovisor. A cidade agora passa rápido do lado de fora. No alto de um prédio de escritório, há luzes acesas. Como alguém pode trabalhar numa noite quente dessas. É ante-véspera de Natal, cacete. Os semáforos parecem ter combinado e só ficam verdes para o táxi dele. Tudo voltou a ter foco e direção. O difícil é ouvir a conversa do taxista sobre o filho que não quer estudar e sobre o enteado que saiu do armário. Será que o cara quer um conselho vindo de um bêbado? Acho que não, pensa sozinho, enquanto bate com a cabeça no vidro da janela, meio zonzo. Uma freada brusca o acorda dum quase cochilo. A noite vai bem. São 3 e meia e amanhã tenho que trabalhar. Diz a música no táxi. O trânsito para. É a porra da árvore de Natal do Parque do Ibirapuera, que faz todo mundo andar devagar e parar para olhar, pensa com ele mesmo. Essa árvore é linda, vou trazer meus parentes para tirarem foto – diz o taxista. Ele deve gostar da árvore porque o trânsito à noite faz o táxi faturar mais. No meio do caminho, ele percebe assustado que sua carteira não está em seu bolso de trás. Apalpa todos os bolsos e custa a querer crer. Que cagada, esqueci a carteira no bar. Não sabe se interrompe a conversa do taxista agora ou se espera mais um pouco para tomar coragem de assumir publicamente seu vacilo imbecil. Perdi a carteira e estou sem grana, meu amigo, anuncia de forma quase involuntária. Puta vida e agora, como você vai me pagar, jovem? Pergunta o taxista com um ar de pai que vê um boletim do filho com notas vermelhas. Vamos para um bar de um amigo meu, lá eu arrumo a grana e te pago. Fica aqui na Humberto Primo. Chegando no bar, o taxista assusta-se com a aparência de boca de porco do local. Uma mesa de sinuca velha, fica quase na calçada. O balcão até que ostenta boas bebidas. E parece ter uma pista agitada lá no fundo. É o próprio Inferninho. Vai lá, garoto, pega a grana com seu amigo e me deixa trabalhar, OK? Ele desce do táxi se esgueirando e entra no bar. Volta em pouco tempo e fala com o taxista pela janela do carro. Já consegui liberar nossa entrada de graça e achei minha garrafa de uísque no clube do uísque. Está quase cheia, vem beber comigo, que eu ainda te arrumo umas gatinhas. O taxista acostumado a todo tipo de conversa fiada, respira fundo e diz: garoto, me dê esse seu relógio e fica tudo certo. Não posso beber em serviço... E lá se foi o relógio que tinha sido de seu avô. Mas agora na pista do Inferninho ele só quer saber de mastigar o gelo do uísque e flertar com umas garotas da faculdade.