sábado, 23 de fevereiro de 2008

Acorde

Desprende-se da corda e

Faz vibrar dentro do peito

Combinam-se e soam como um

Alinham-se e escrevem uma canção

Acorde
Para a música que nos eleva em vibração

Acorde

Desentendimentos nos desvirtuam da evolução

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Vidigal

Ocultando beleza e fúria. Esbanjando loucura e frieza. Caminhava por entre sombras, esgueirando-se por esquinas e becos, com a fantasia volúvel de encontrar alguém conhecido, naquele fim de mundo obscuro. Nenhuma palavra de verdade lhe dirigiam. Nada. Apenas palavras burocráticas, quase inaudíveis, que ele deduzia por leitura labial. Entrou, então, numa avenida grande, iluminada, cheia de letreiros expostos em prédios faraônicos que lhe ofuscavam qualquer coragem de expor-se. Olhou para baixo e seguiu rápido como boi açoitado. Com os passos nervosos e as mãos que não se encaixavam em si, ele sentia suores lhe percorrendo o corpo gelado.

Olhares de desdém, gestos de desconfiança, passos receosos, isto era tudo que ele recebia naquela infinita Avenida. Além de luzes fortes no rosto enrugado e perfumes azedos das madames. Chegaram a gritar algo ao longe, como, “será que ele não se enxerga?”... Mas Vidigal filtrava bem as palavras em seus ouvidos.

Próximo à cafeteria, numa esquina qualquer, um som metálico invadiu-lhe a cabeça. Mais parecia uma miragem de oásis a lhe inebriar a visão. Um homem estranho, sentado sobre caixas velhas entoava notas lustrosas num saxofone velho e fosco. Ninguém o via. Quase ninguém o ouvia. Apenas o velho Vidigal, o observava com introspecção. Cada nota mais estendida que o músico alçava no ar, era um prédio que desabava dentro de Vidigal, com fervor e fúria. Sentia tremer tudo e todos.

Aos poucos passou a bater com os pés na calçada, como que marcando o tempo correto dos compassos e sentiu vontade de sorrir. Mas aquilo pareceu-lhe ridículo, àquela altura dos acontecimentos.

De repente. uma brusca freiada de carro, retirou-lhe injustamente daquela condição etérea. Pneus cantaram de forma estridente. Não se seguiu batida ou acidente, mas somente um sobressalto que fez Vidigal pensar que o som lhe pudesse ser abafado para sempre. As notas permaneceram intactas, leves e cada vez mais altas. No volume e na audácia. Vidigal suspirou aliviado. A cidade aos poucos derretia e tudo era somente música, ritmo e poesia.

Quando deu por si, Vidigal já dançava, por entre os pedestres da calçada, abraçando postes e flutuando docemente, como um dançarino. Embriagado de alegria, inconsciente, cheio de vida.

Foi então que o músico cessou a magia. Desgrudou o saxofone dos lábios, ergueu os olhos para o chapéu, avistando míseras moedinhas ali lançadas pelos pedestres e encarou Vidigal por instantes. Vidigal que sapateava, congelou-se sorridente e ofegante e mirou o músico no fundo dos olhos cansados. O músico sorriu-lhe de volta e disparou um jazz, que navegou como míssil contra tudo a sua volta, fazendo Vidigal agitar-se como criança.

Enquanto tocava, o homem do saxofone teve a certeza de que mesmo sem audição e muito doente, o velho Vidigal ainda sabia reconhecê-lo, como um grande amigo de outros tempos.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Razão, fé e ciência

"Deus está morto" bradava Nietzche no século XIX. A ciência naquele século fazia descobertas que revolucionariam toda a maneira de pensar do ser humano. Einstein mudava toda a concepção de universo, tempo e matéria. Freud cambiava a percepção de como o ser humano se enxergava e como o cérebro operava. Darwin pela primeira vez fornecia uma explicação plausível sobre a pergunta que há milênios angustiava o homem:"De onde viemos?". Marx misturando sociologia, economia e filosofia radical alemã, traduzia os anseios de uma classe social cada vez mais numerosa e fornecia uma nova maneira de se pensar a organização da sociedade. Afora é claro, o já citado filósofo Nietzche. Que esse pensadores tão dispares têm em comum? Começaram a consolidar uma fuga total dos conceitos estabelecidos pela instituição mais poderosa entãao: a Igreja. Durante séculos a ciência se desenvolvia, apesar, e muitas vezes em total confrontação com a igreja. Esses pensadores entravam em rota de colisão com o pensamento religioso presente na época. Claro que desde muito antes deles existiram cientistas que como galileu, Copérnico e muitos outros já faziam isso. Porém, no século XIX começou a se pensar como se fazer ciência da forma mais apropriada. O método começou a ser importante. A ciência se desenvolve e abre espaço para que os avanços tecnológicos do século XX sejam possíveis. Os Estados percebendo a necessidade da prevalência da razão, começam cada vez mais a serem laicos. Ou seja, passam a colocar a religião no seu devido lugar. Na esfera privada. Nos países desenvolvidos cada vez mais a religião passou a ser uma questão pessoal. E a vida pública passou a ser uma questão na qual as decisões eram tomadas baseadas na racionalidade. Todos poderiam ter a religião que quisessem, desde que não impusessem sua crenças a outros. A religião foi então cada vez mais nesses países um sistema de crenças. Crenças são, portanto, uma questão de valores que em nada se relacionam com a racionalidade. A ciência e as questões de Estado não poderiam e não deveriam se misturar com a religiosidade de cada indivíduo. Quanto mais os países se desenvolviam mais eles seguiam essas regras. Portugal e Espanha são dois exemplos dissos. Bastiões do atraso, do autoritarismo e da influência na Igreja,. com a modernização desses países a Igreja Católica passou cada vez mais a ter menos influência. No século XXI países onde Estado e religião se confudem só subsistem em lugares atrasados como África, Oriente Médio e América Latina. Por que falo disso? A Igreja Católica brasileira mais uma vez tenta influenciar decisões que deveriam ser pautadas pela racionalidade. Questões de saúde pública. Ser contra a distribuição de camisinha e pílulas do dia seguinte num país com alto índice de AIDS e de gravidez precoce é no mínimo um ataque á saúde publica de uma país. Mais uma vez, como sempre, desde a sua criação, a Igreja está do lado errado.