terça-feira, 24 de abril de 2007

Os Justiceiros de Hollywood

Logo no início do filme, o bem sucedido policial, que se encontra feliz, junto de sua bela família, composta por avós, tias, sobrinhos, linda mulher e o expressivo filho pequeno. Todos em torno de mesas de frutas, na ampla varanda de uma maravilhosa casa de praia. Algumas crianças brincam candidamente, com os pés descalços na areia alva. Os adultos bebem e conversam amenidades.

Quando menos se espera, homens de preto, carregando metralhadoras, granadas e pistolas de longo alcance, chegam numa caminhonete preta. Descem com a fome ávida e fria dos predadores. Sem anunciar a que vieram, adentram à casa e lançam tiros certeiros em um a um dos mais de trinta presentes, começando por uma distinta senhora septagenária, possivelmente mãe do “mocinho” e terminando, com o mórbido atropelamento da mulher e do filho do protagonista. Este, que resiste até o fim, é pego, espancado, metralhado e incendiado junto a um posto de gasolina, que explode, num show pirotécnico.

Todos mortos e destroçados. Não resta um.

Após assistir a essas cenas de pura carnificina, sangue e extermínio em massa até o mais inerme dos monges tibetanos sentiria, arrisco dizer, considerável revolta e até ódio dos “bandidos”.

Porém, como que feito de aço, o intrépido protagonista a tudo sobrevive e surge sadio e altivo de volta à cidade para vingar-se dos criminosos, ou, segundo ressalva do próprio personagem, para “impor uma punição, pois vingança é coisa contaminada por sentimentalismo...”.

Dito e feito, o protagonista derruba, um a um seus algozes, bem como parentes e filhos destes, com todos os requintes de crueldade que “tem direito”, com o apoio e a torcida de 90% dos telespectadores, que, imbuídos do ódio advindo da desgraça sofrida pelo “mocinho”, legitimam a matança, como se dissessem: “Isso mesmo, mate esses bandidos nojentos, eles merecem tudo de pior. Eu faria o mesmo !!”

Mas adiante, o protagonista, incutindo, ainda, mais a idéia de que pretende fazer justiça e não vingar-se, uma vez que a simples vingança não “apagaria as memórias tristes” que carrega, descobre-se um “Justiceiro”. Torna-se um super-herói obscuro, que por saber-se quase invencível enfrenta a todos, com o intuito de evitar o mal. Mas, como evitar o mal? Socorrendo as vítimas? Perguntariam os mais puritanos. Não, matando os “bandidos”, pois as vítimas já morreram. Ou, enfim, fazendo novas vítimas.

A certa altura, uma das personagens, tenta alertar o protagonista de que, se ele continuar nessa vida de matanças, pode acabar se tornando “um deles”. Mas, evidente, que àquela altura, já não há mais lado do bem ou do mal, ou seja, o “mocinho” já virou “bandido”, viciado ao ciclo de maldades a que adentrou vertiginosamente.

Esse ciclo de mortes e vinganças, que desnecessário lembrar fustiga a guerra no oriente médio a séculos, instiga a rivalidade entre coronéis nordestinos na briga entre famílias pela demarcação de terras, fomenta as cínicas intervenções dos EUA na “guerra contra o terror”, enfim, dita o ritmo dos desastres desde sempre. São atos de violência repetidos à exaustão, até perderem o sentido totalmente, a não ser, o de promover uma matança pior do que a que o inimigo lhe fez meses atrás.

E com esta guerra declarada do “mocinho” contra os bandidos, promovendo mortes das mais horríveis, sem qualquer finalidade a não ser “derrubar” todos que o fizeram sofrer, nosso protagonista do filme pensa estar próximo da Justiça. Habilidoso também com as palavras, nosso tétrico herói sabe que o motivo é o que menos interessa nessa matança, por isso, tenta mascarar sua vingança, como se estivesse a “fazer justiça”. E então muitos outros sofrerão a punição de sua Justiça, todos que o fizeram sofrer.

Talvez imbuído de idéias macabras como esta, um estudante sul-coreano residente em Virgínia, nos EUA, sufocado pelo preconceito dos colegas de faculdade, ofuscado pela beleza dos louros de olhos claros americanos, sentindo-se desprezado pela falta de popularidade, com as mulheres principalmente, percebendo-se excluído daquela sociedade, que ele julgava hipócrita e insensível; decidiu dar a essas pessoas a punição que “mereciam” por fazerem-no sofrer. “Não!”, diria ele, “também não era vingança, pois isso é coisa contaminada de sentimentalismo, mas apenas Justiça !”.

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